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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Carpinejar ____ Cheiros

O cheiro é meu alfabeto.

Esqueço nomes, não apago cheiros. Esqueço rostos, não abandono cheiros.

O cheiro é minha memória.

Não há como repetir certas fragrâncias: a da merendeira, por exemplo. Precisaria alternar maçãs e bananas, reeditar a porção certa de queijo, de manteiga e de mortadela dos sanduíches preparados pela mãe, refazer a umidade precisa do guardanapo que envolvia o pão e derramar o Nescau na hora de desenroscar a pequena térmica, durante cinco anos seguidos, para alcançar algo parecido.

O cheiro me explica, o cheiro é que me puxa. Revisei os principais cheiros de minha vida – o do cabelo de minha mulher após o banho, o do estojo de lápis de cor, o do balcão do armazém do Seu Zé, o do lençol novo de hotel, o de estofado de carro zero, o do forro das gavetas – depois de visitar a Escola Estadual Leopoldo Tietbohl, em Porto Alegre.

Entrei na biblioteca para uma palestra, e respirei fundo o ambiente das prateleiras de metal, das cartolinas e do universo retangular das mesas e cadeiras creme.

Levei um soco do vento, um solavanco.

Foi uma nebulização mais do que um acesso nostálgico.

Eu tenho uma biblioteca imensa, tenho amigos com bibliotecas imensas, pais com bibliotecas imensas, mas nenhuma delas tem um cheiro semelhante ao da biblioteca da escola.

As residências exalam um olor de visita, de horário marcado. Uma lufada impessoal de escritório, lustra-móveis, ar-condicionado. Apesar das estantes forradas e do convívio familiar, não é o cheiro da salinha de livros do colégio.

Não identifico o que existe de diferente. Mas vejo, sinto, confirmo a diferença.

Será que a passagem de milhares de alunos muda a textura das paredes? Que cheiro é aquele? Uma mistura de ventilador, de mimeógrafo, de papel secando, de bala azedinha... Um cheiro inexplicável, doce e salgado ao mesmo tempo, como alguém que mastiga bolacha de sal e bebe refrigerante.

Todas as bibliotecas de todas as escolas do mundo têm o mesmo cheiro. Pode ser a pressa das vozes ou as mãos suadas dos alunos nas páginas ou a combinação entre avental e uniforme ou a caneta bic falhada na ficha catalográfica ao final dos volumes ou a manta da bibliotecária ou seus suspiros por um amor platônico.

Ou pode ser que não entreguei algum livro emprestado e agora pago multa com as palavras.




Publicado no jornal Zero Hora

7 comentários:

Caca disse...

Se talento tem cheiro, o Carpinejar é um perfume oloroso. Linda a crônica, Leninha. Abraços. Paz e bem.

Anônimo disse...

Bom dia doce amiga!

Que delícia sentir esses cheiros por aqui e me lembrar de tantos outros iniesquecíveis cheirinhos todos tão perfumados que me levaram a uma viajem distante pela minha vida, diria que até não muito longa... mas algumas mais distantes. Sabe o mais curioso aconteceu agora aqui, nesse exato instante, lembrei do cheiro de pera da minha lancheirinha quando era pequena e levava para a escola, não me lembro quantos anos tinha, nem em que série estava, não me lembro da cor da minha roupa, nem do comprimento dos meus cabelos, mas me lembrei exatamente do cheirinho da pera que minha mãe colocava na minha lancheira, acho que sempre... porque veio fortemente essa lembrança em mim... Amiga, isso é tanta emoção pra mim, pois pouco me lembro da infância... pouco mesmo... Lembro até de uns cheirinhos/perfumes que queria esquecer... mas esse de agora, ahhh esse foi um presente matinal da minha doce amiga Leninha...

Beijos minha amiga e um dia bem lindo cheio de lembranças e perfumes bem cheirosinhos pra ti!

Obrigada pelo seu carinho sempre!

Su.

Leninha disse...

Su muito amada,vendo suas lembrancinhas para o Dia dos Pais,muitas foram as lembranças que vieram,de borbotão,à minha mente...a menininha de muitos anos atrás,indo,alegre,ao encontro do pai,todas as tardes:"vou buscar papai no banco"e,sabe Su,também tenho a memória dos cheiros muito forte em mim:o cheiro do banco onde meu pai trabalhava(sempre que entro em um banco,a recordação aflora),o cheiro do terno de meu pai ,me trazendo de volta o seu sorriso aberto quando me via chegar,o seu modo de segurar forte a minha mão,as músicas que inventava prá mim e cantava alto pela rua,me matando de vergonha(hoje seria um "mico"),o seu jeito terno e carinhoso de se despedir de mim na Rodoviária,quando ia para o Rio e eu,já casada e morando em Minas,segurando as lágrimas por não poder acompanhá-lo...são muitas as lembranças,amiga,de um tempo bom e muito feliz.
Tá vendo,Su,certas lembranças podem doer,mas no fundo temos que agradecer a Deus por termos tido este tempo com estas pessoas mágicas em nossas vidas.
Obrigada por esta viagem ao tempo da inocência,menina amada.
Bjssssss também carregados de perfumes para você,amiguinha do coração.
Deus te abençôe,
Leninha

Luna Sanchez disse...

A memória olfativa abre portais no tempo!

Um beijo, querida.

Leninha disse...

Sobras

Sou aquela
Que só compra
Na liquidação

Sempre há
Na banca
Alguam coisa
Que
Ninguém quis
E me serve

Casaco
De veludo
Cotelê
Desbotado
Pelo sol
Na vitrina

Bailarina
De resina
Co'a perninha
Esfolada

Almofada
( Mofada )
De macramê

Mantilha
De nhanduti
Amarfanhada

Sapatos
Com saltos
Desnivelados

Livros
Que
Ninguém lê

Relógio
Sem ponteiros
Sem pilha
Sem bateria
Sem valia

Calendário
Do ano
Retrasado

Coração
Estracinhado

(Sou
Pelos quatro
Erres
Do reviver
Sustentável:
Refaço
O tempo
Com papel machê)
Postado por Zélia Gmarço. 2010 - Blog da Zélia Guardiano
Para os apreciadores da poesia, uma boa dica é dar uma conferida no blog mantido pela poetisa Zélia Guardiano. Além de poesias, publica também suas crônicas e contos. Só para lembrar, Zélia já publicou seu trabalho em diversas coletâneas e foi uma das vencedoras do Mapa Cultural Paulista. Acesse: zeliacorreaguardiano

casa de fifia disse...

ciao tesouro
è sempre bom ler suas palavras lá no blog.
sim ainda estou de ferias,
hoje levei meu filho a um safári parque e estou doida de tanto cansaço e a alergia me esta derrubando, mas a parte isso tudo bem.
aqui esta fazendo muito calor,alias muitíssimo.
querida que deus abençoe você e sua família muito mais do que já tem feito.

bacione

manuela barroso disse...

Amiguinha querida,
Aqui não se comemora o dia dos pais.
Sim dia do Pai.Mas ainda bem, minha amiga! É que este tempo tem o cheiro da morte que rondava de longe o homem mais extraordinário da minha vida! O meu Pai.Por isso,te compreendo! E como! Mas com essa tua energia positiva, enquanto eu fico acabrunhada dias e dias, tu serás capaz de dar um sorriso para mim?
Então vá, minha querida! As duas já o perdemos! Mas resta a esperança de nos voltarmos a encontrar! Um sorriso para uma rosa do meu jardim que te envio!
Bjo Grande!