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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Tiradentes

“A pressa é inimiga da refeição”

Numa placa pregada em seu restaurante, está escrito seu lema: “a pressa é inimiga da refeição”. Elizabeth Beltrão, a Beth, é a proprietária do restaurante Viradas do Largo, um dos melhores do país com especialização em comida mineira.
Beth, cabelos curtos, encaracolados como os de anjinhos barrocos, nasceu em Passos, Minas Gerais. Após deixar seu emprego de analista de sistema na Açominas, mudou radicalmente o rumo de sua vida. Sem perceber o quanto talentosa era na cozinha, abriu um restaurante em Tiradentes sem ter a menor noção de como funcionava um estabelecimento gastronômico.
“A casa tinha poucas mesas e nem sequer possuía cardápio. O cliente me perguntava o que eu tinha para servir e eu perguntava de volta o que ele queria comer. Se pedisse um prato que não sabia fazer, consultava um livro”, conta com olhos atentos, revelados atrás dos óculos de aro colorido. E assim, bem devagarinho, no estilo mineiro de ser, Beth foi aprendendo a cozinhar.
Mas um dia entendeu que não poderia mais continuar sem cardápio. Visitou alguns restaurantes para saber o que serviam e elaborou seu menu: frango com ora-pró-nobis, frango com quiabo, e frango ao molho pardo. Logo percebeu que muitos clientes pediam tutu e tropeiro e decidiu incluí-los. Agora que seu cardápio estava pronto, bastava aperfeiçoar cada receita. Foi o que fez. Em breve, seria congratulada como estrelas no Guia 4 Rodas.

Dificuldades

Entretanto, quando abriu seu restaurante, nem tudo era tão fácil assim. “Quando cheguei à cidade, não havia mão-de-obra, apesar do alto índice de desemprego no país. Fui pesquisando e percebi uma acomodação natural entre os moradores da cidade, por não precisarem de quase nada. Possuíam casa própria e não precisavam gastar com ônibus. Se fossem ao vizinho, conseguiam um prato de comida; o amigo oferecia a cachaça. Não havia necessidade de assalariados”. Depois de muita procura, Beth finalmente conseguiu empregar ajudantes de cozinha. Na relação com o pessoal, ela foi aos poucos se deparando com outra dificuldade: a questão do auto-estima.
“Ao empregar alguém, percebia que havia um certo medo quanto à minha pessoa. O funcionário achava que eu, a Beth famosa, dona de restaurante, não ia conseguir ficar do seu lado e criava uma distância imaginária entre nós. Talvez fosse a mesma sensação que teríamos diante do presidente da República:- “Ôpa, esse cara é famoso; ele não deve estar nem aí para quem eu sou”. Com muita paciência e um pouco de psicologia, ela foi aprendendo a lidar com o problema. Trabalhando lado a lado, na beira do fogão, e compartilhando o gosto pela cozinha, Beth conseguiu criar um clima de confiança e deixar de ser um bicho papão. “Hoje estou muito satisfeita com minha equipe. Todos estão comigo há muito tempo e nos conhecemos um ao outro como a palma de nossas mãos”.

A comida de Minas

A comida mineira é uma mistura da antiga comida de fazenda com a comida de tropeiros. Enquanto a primeira era baseada em ensopados, em caldos acompanhados de angu e couve; a segunda era feita com produtos secos, duráveis, transportados em lombo de burro, como feijão tropeiro, carnes secas e doces em barras.
A comida mineira servida no restaurante Viradas do Largo valoriza o sabor, o aroma, o cozinhar em fogo baixo, com calor proveniente da lenha que aquece as panelas de pedra. A comida é simples e honesta, feita com ingredientes colhidos na horta que fica no fundo do quintal. Basta olhar pela janela e o cliente enxerga ora pró-nobis, couve, agrião, azedinha, manga, salsinha, cebolinha, banana, amora, lima, pitanga, limão.
No restaurante de Beth, num típico final de semana, é comum ver as pessoas se aconchegarem em torno de uma mesa repleta de gente: o patriarca na cabeceira e as crianças brigando para ficar ao lado da mãe. O pedido do prato só acontece depois de muita conciliação entre todos. Afinal, cada um querer pedir uma coisa, mas a comida mineira é farta farta, generosa, que consegue satisfazer toda a família. A comida sempre chega fervilhando à mesa. Só assim causa consegue causar um “calorzim” em quem a degusta. É preciso soprar a comida antes de ser levada à boca, fazer biquinho, tentar esfriar o caldo, o angu, o tutu. A concha, essencial na comida mineira, é usada uma, duas, três vezes pela família. Por causa do seu gosto insuperável, sempre haverá o repeteco. Depois de expirações de satisfação, chegam os doces, o café com rapadura, os licores.
Para Beth, a comida mineira é gostosa porque se baseia na harmonia entre os que a fazem e os que a comem. Por isso, ela faz tanta questão de circular pelo salão. De avental amarrado na cintura, é atenciosa com todos, seja tirando os pedidos ou ajudando a servir seus deliciosos frangos ensopados, porções de mandioca e lingüiça, caldos de feijão, tropeiros com lombo, tutu com costelinhas, couve, caipirinhas,...

Cadernos de Receitas

Em Minas, ainda existem algumas mães que preservam o costume de passar as receitas para as filhas, copiadas em cadernos de capa dura. No futuro, já acrescido de receitas xerocadas ou recortadas de revistas, o caderno será repassado para a próxima geração. Ou então poderá ser copiado por uma prima ou sobrinha. Muito pode ser dito de uma mulher através de seu livro de receitas. As escolhas, as manchas de manteiga nas páginas, os resquícios de farinha de trigo, o cheiro do papel, tudo irá falar um pouco sobre aquela pessoa e seu amor pela cozinha.

Onde Comer

Restaurante da Beth
Rua do Moinho, 11 (32) 3355-1111

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