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quarta-feira, 25 de julho de 2012


Laura Medioli
Levo comigo um notebook novo, embrulhado em papel colorido. Dentro dele, um mundo a ser descoberto
Publicado no Jornal OTEMPO em 24/07/2012

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FOTO: Acir Galvão
À espera da vida
Perdida em um bairro longínquo de Contagem, finalmente cheguei à casa onde moravam o garoto Vinícius e sua mãe, Zenilda. Vinte anos de idade resguardados num corpo franzino e delicado, marcado pela dor dos rins que não funcionam e pelo acesso, onde, três vezes por semana,  uma hemodiálise é feita. Três anos na fila de espera por um transplante. Mocidade sem jogar bola, sem poder viajar com amigos, sem andar de bicicleta, sem correr atrás das oportunidades que o mundo oferece aos jovens. Sua corrida é contra a vida, lenta, persistente, devagar, para não se cansar muito. Além da espera e da esperança, quase nada tem a se fazer.

Levo comigo um notebook novo, embrulhado em papel colorido. Dentro dele, um mundo a ser descoberto. Será o companheiro mais constante, inclusive no hospital São José, durante as quatro horas seguidas de tratamento, três vezes na semana. Ali, poderá jogar paciência, FreeCell, contatar amigos no Facebook, ler notícias do planeta inteiro, expandir o seu pequeno mundo.

Ter lhe dado essa possibilidade não tem preço. Impossível não se emocionar, não se solidarizar, em sua espera, com palavras de incentivo e apoio:

- Um dia chegará a sua vez, tenha certeza disso! 

Despeço-me do garoto franzino que, com as mãos trêmulas, acena para mim. Ganhei meu dia.

Ontem, foram à minha casa avisar:

- Laurinha! Marião fez transplante e passa por necessidades.

Uma grata surpresa saber que a minha velha amiga, acometida por doença de Chagas, teve a chance de renascer. Enquanto me dirigia à sua casa, voltava no tempo, quando a conheci. Na época, moradora de um assentamento de terra, debaixo de uma lona preta, ela já exercia sua liderança. Trabalhadora incansável, cozinheira de mão cheia em casa de família, restaurantes, casa de apoio a portadores de HIV... Além do trabalho remunerado, o comunitário, sempre à frente nas causas que defendia. Seu sorriso largo é sua marca registrada. Vive rindo, mesmo durante as maiores adversidades. Nunca perde a esperança. E, quando a doença se agravou, encaminhada pelos médicos, entrou na lista do transplante. Mais de dois anos de espera.

Enquanto Vittorio, meu marido, aguardava por um fígado em São Paulo, Marião aguardava por um coração em BH. Distantes, vivenciando o mesmo drama.

Na porta, sou atendida por Gabriel, o caçula, com nome de anjo e camisa do Cruzeiro. Pede-me para passar álcool nas mãos antes de entrar no quarto da mãe. Marião me sorri como antes. Uma figura essa mulher! Penso, divertida, ao encontrá-la tão bem. Há um mês e meio transplantada, vem me mostrar com orgulho a sua cicatriz, por onde retiraram seus males e introduziram sua vida.

Fala-me com admiração e carinho do doutor Sílvio e  dos outros cardiologistas/cirurgiões da equipe da doutora Maria da Consolação que a atenderam. Médicos no verdadeiro sentido da palavra. Conta das dificuldades do dia a dia de um hospital que vive sua luta diária a favor da vida, da falta de sangue, que dificulta cirurgias, dos pobres vindos do interior, sem ter onde ficar, das cadeiras frias e corredores tristes do PA, onde permanecem os acompanhantes, mas fala, acima de tudo, da obstinação, da competência e do imprescindível valor humano que encontrou ali, no Hospital das Clínicas, onde nasceu de novo.

Sente-se feliz porque, de 2008 até 2012, esteve entre a vida e a morte. Agradece todos os dias a Deus, ao seu doador e à sua família. Ao doador que, além da dela, salvou mais três vidas. Também agradece aos doadores de sangue.

- Eu  precisei de muito sangue, sabia? Ela me diz, emocionada.

Tento fazer com que se cale um pouco. O esforço da fala ainda a cansa. Gabriel me chama para comer o bolo de laranja que ele mesmo fez. Nos últimos anos, cuidou da mãe como uma mãe cuidaria de um filho. Treze anos apenas e tamanha responsabilidade. Conta-me das noites sem dormir, das madrugadas ligando para o Samu, acompanhando a mãe ao hospital, do feijão com arroz que aprendeu a fazer, dos remédios controlados que não deixa de dar nos horários certos. Olhando para aquele menino, vejo que o anjo não está apenas no nome que carrega. Um garoto e tanto!!!

Despeço-me com um sorriso largo, que nem o da Marião. Nas mãos, levo uma forma gigante com pudim de leite, presente do Gabriel. Ganhei minha tarde.

Antes de finalizar este texto, lembro-me do também garoto, carioca, que se transferiu para São Paulo. Dois anos residindo num hospital, longe da família, à espera de um coração. E que, numa entrevista, solicitado a deixar uma mensagem, com os olhos lacrimejantes, disse:

- Pior que perder uma vida é perder duas.
LAURA MEDIOLI escreve no Magazine às terças-feiras. laura@otempo.com.br

6 comentários:

O meu pensamento viaja disse...

Há que parar para pensar nos verdadeiros dramas, estes!
Felizmente que a generosidade humana, a capacidade de amar, está aí para nos surpreender.
Beijo

chica disse...

Que lindo texto esse!Emocionantes histórias podemos ver...beijos praianos,chica

Anne Lieri disse...

Leninha,que história generosa e comovente!Parabens pelo dia do escritor!bjs,

Minhas Pinturas disse...

Achei seu blog e fui lendo, lendo e me encantando com todos os seus têxtos e crônicas, ri e chorei de tanto gostar. Parabéns pelo dia do escritor.
beijos,
Léah

manuela barroso disse...

Histórias relatando dramas de todos os dias onde a sensibilidade que partilhas nós dói.~Grande abraço Leninha!

AFRICA EM POESIA disse...

Leninha

tenho andado longe ...estive 20 dias sem computador é mesmo muito tempo...
depois de umas férias o pc tambem voltou
e eu venho para dizer gosto muito de ti

beijos e passa no meu blogue Dedais da Lili