|                                               Mario Quintana   
                     Fere de leve a frase... E esquece...                      NadaConvém que se repita...
 Só em linguagem amorosa agrada
 A mesma coisa cem mil vezes dita.
 
 Mario                      Quintana
 PROJETO DE PREFÁCIO                    Sábias agudezas... refinamentos...- não!
 Nada disso encontrarás aqui.
 Um poema não é para te distraíres
 como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
 Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
 Um poema não é também quando paras no fim,
 porque um verdadeiro poema continua sempre...
 Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
 não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.
                     Mario Quintana                                          DO                        AMOROSO ESQUECIMENTO
 Eu agora - que desfecho!
 Já nem penso mais em ti...
 Mas será que nunca deixo
 De lembrar que te esqueci?
 
 Mario Quintana - Espelho Mágico
  AH! OS RELÓGIOS
 Amigos, não consultem os relógios
 quando um dia eu me for de vossas vidas
 em seus fúteis problemas tão perdidas
 que até parecem mais uns necrológios...
 
 Porque o tempo é uma invenção da morte:
 não o conhece a vida - a verdadeira -
 em que basta um momento de poesia
 para nos dar a eternidade inteira.
 
 Inteira, sim, porque essa vida eterna
 somente por si mesma é dividida:
 não cabe, a cada qual, uma porção.
 
 E os Anjos entreolham-se espantados
 quando alguém - ao voltar a si da vida -
 acaso lhes indaga que horas são...
 
 Mario Quintana - A Cor do Invisível
  DAS UTOPIAS
 Se as coisas são inatingíveis... ora!
 Não é motivo para não querê-las...
 Que tristes os caminhos se não fora
 A mágica presença das estrelas!
 
 Mario Quintana - Espelho Mágico
                                         POEMINHO DO CONTRA
 Todos estes que aí estão
 Atravancando o meu caminho,
 Eles passarão.
 Eu passarinho!
 
 Mario Quintana
 O SILÊNCIO                    Convivência  entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os  dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, n ão  quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro  amador de poemas ama em silêncio...                    Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo   EU ESCREVI UM POEMA                      TRISTE
 Eu escrevi um poema triste
 E belo, apenas da sua tristeza.
 Não vem de ti essa tristeza
 Mas das mudanças do Tempo,
 Que ora nos traz esperanças
 Ora nos dá incerteza...
 Nem importa, ao velho Tempo,
 Que sejas fiel ou infiel...
 Eu fico, junto à correnteza,
 Olhando as horas tão breves...
 E das cartas que me escreves
 Faço barcos de papel!
   Mario Quintana                      - A Cor do Invisível                    SINÔNIMOS                    Esses que pensam que existem sinônimos,                      desconfio que não sabem distinguir as diferentes nuanças                      de uma cor.                    Mario Quintana                      (Caderno H)                     CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO                                                        Eu sou um homem fechado.O mundo me tornou egoísta e mau.
 E a minha poesia é um vício triste,
 Desesperado e solitário
 Que eu faço tudo por abafar.
 Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,Com o teu passo leve,
 Com esses teus cabelos...
 E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreendernada, numa alegria atônita...
 A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútilAonde viessem pousar os passarinhos.
 Mario Quintana POEMA                    Mas por que datar um poema? Os poetas que põem                      datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam                      os ovos...                     Mario Quintana                      (Caderno H)                       RECORDO AINDA
 Recordo ainda... e nada mais me importa...
 Aqueles dias de uma luz tão mansa
 Que me deixavam, sempre, de lembrança,
 Algum brinquedo novo à minha porta...
 
 Mas veio um vento de Desesperança
 Soprando cinzas pela noite morta!
 E eu pendurei na galharia torta
 Todos os meus brinquedos de criança...
 
 Estrada afora após segui... Mas, aí,
 Embora idade e senso eu aparente
 Não vos iludais o velho que aqui vai:
 
 Eu quero os meus brinquedos novamente!
 Sou um pobre menino... acreditai!...
 Que envelheceu, um dia, de repente!...
 
 Mario Quintana
 O TRÁGICO DILEMA                    Quando alguém pergunta a um autor o que                      este quis dizer, é porque um dos dois é burro.                    Mario Quintana                      (Caderno H)                     BILHETE
 Se tu me amas,
 ama-me baixinho.
 
 Não o grites de cima dos telhados,
 deixa em paz os passarinhos.
 
 Deixa em paz a mim!
 
 Se me queres,
 enfim,
 
 .....tem de ser bem devagarinho,
 .....amada,
 
 .....que a vida é breve,
 .....e o amor
 .....mais breve ainda.
 
 Mario Quintana
  OS POEMAS                     Os poemas são pássaros que chegamnão se sabe de onde e pousam
 no livro que lês.
 Quando fechas o livro, eles alçam vôo
 como de um alçapão.
 Eles não têm pouso
 nem porto;
 alimentam-se um instante em cada
 par de mãos e partem.
 E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
 no maravilhado espanto de saberes
 que o alimento deles já estava em ti...
 
 Mario Quintana - Esconderijos do Tempo
                      SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS                                        A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
 Quando se vê, já é 6ªfeira...
 Quando se vê, passaram 60 anos...
 Agora, é tarde demais para ser reprovado...
 E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
 eu nem olhava o relógio.
 seguia sempre, sempre em frente ...
 
 E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
 Mario Quintana ( In: Esconderijo do tempo)                                      O amor é quando a gente mora um no outro.                                        Mario Quintana                                                                                                                                        SIMULTANEIDADE                      - Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio                      em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero                      viver! - Você é louco?
 - Não, sou poeta.
 Mario                        Quintana - A vaca e o hipogrifo (Poesia Completa, p. 535)                       ESPELHO                     Por acaso, surpreendo-me no espelho:Quem é esse que me olha e é tão mais                      velho que eu? (...)
 Parece meu velho pai - que já morreu! (...)
 Nosso olhar duro interroga:
 "O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que                      me invadiste.
 Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
 Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
 E os teus planos enfim lá se foram por terra,
 Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
 Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste...
 Mario Quintana                     Um bom poema é aquele que nos dá                      a impressão de que está lendo a gente ... e não a gente                      a ele!
 Mario Quintana - A                      vaca e o hipogrifo                      A RUA DOS CATAVENTOS                    Da vez primeira em que me assassinaram,Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
 Depois, a cada vez que me mataram,
 Foram levando qualquer coisa minha.
 Hoje, dos meu cadáveres eu souO mais desnudo, o que não tem mais nada.
 Arde um toco de Vela amarelada,
 Como único bem que me ficou.
 Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!Pois dessa mão avaramente adunca
 Não haverão de arracar a luz sagrada!
 Aves da noite! Asas do horror! Voejai!Que a luz trêmula e triste como um ai,
 A luz de um morto não se apaga nunca!
 Mario Quintana                       CLAREIRAS                     Se  um autor faz você voltar atrás na leitura, seja de um período ou de uma  simples frase, não o julgue profundo demais, não fique complexado: o  inferior é ele.                    A  atual crise de expressão, que tanto vem alarmando a velha-guarda que  morre mas não se entrega, não deve ser propriamente de expressão, mas de  pensamento. Como é que pode escrever certo quem não sabe ao certo o que  procura dizer?                    Em  meio à intrincada selva selvaggia de nossa literatura encontram-se às  vezes, no entanto, repousantes clareiras. E clareira pertence à mesma  família etimológica de clareza... Que o leitor me desculpe umas  considerações tão óbvias. É que eu desejava agradecer, o quanto antes, o  alerta repouso que me proporcionaram três livros que li na última  semana: Rio 1900 de Brito Broca, Fronteira, de Moysés Vellinho e Alguns Estudos, de Carlos Dante de Moraes.                    Porque,  ao ler alguém que consegue expressar-se com toda a limpidez, nem  sentimos que estamos lendo um livro: é como se o estivéssemos pensando.                    E,  como também estive a folhear o velho Pascall, na edição Globo,  encontrei providencialmente em meu apoio estas palavras, à pág. 23 dos Pensamentos:                    "Quando  deparamos com o estilo natural, ficamos pasmados e encantados, como se  esperássemos ver um autor e encontrássemos um homem".                                       Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo                     PEQUENO ESCLARECIMENTO                       Os poetas não são azuis nem nada,                        como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques                        súbitos de levitação. O de que eles                        mais gostam é estar em silêncio - um silêncio                        que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios.                        Um silêncio... Este impoluível silêncio                        em que escrevo e em que tu me lês.                       Mario Quintana - A                      vaca e o hipogrifo                     POEMA DA GARE DE ASTAPOVO                    O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta                      anosE foi morrer na gare de Astapovo!
 Com certeza sentou-se a um velho banco,
 Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
 Que existem em todas as estaçõezinhas pobres                      do mundo
 Contra uma parede nua...
 Sentou-se ...e sorriu amargamente
 Pensando que
 Em toda a sua vida
 Apenas restava de seu a Gloria,
 Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
 Coloridas
 Nas mãos esclerosadas de um caduco!
 E entao a Morte,
 Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
 Na estação deserta,
 Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
 Quando apenas sentara para descansar um pouco!
 A morte chegou na sua antiga locomotiva
 (Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
 Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
 E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
 Ele fugiu de casa...
 Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
 Não são todos que realizam os velhos sonhos                      da infância!
 Mario Quintana                    I                                         Escrevo diante da janela aberta.Minha caneta é cor das venezianas:
 Verde!... E que leves, lindas filigranas
 Desenha o sol na página deserta!
 Não sei que paisagista doidivanasMistura os tons... acerta... desacerta...
 Sempre em busca de nova descoberta,
 Vai colorindo as horas quotidianas...
 Jogos da luz dançando na folhagem!Do que eu ia escrever até me esqueço...
 Pra que pensar? Também sou da paisagem...
 Vago, solúvel no ar, fico sonhando...E me transmuto... iriso-me... estremeço...
 Nos leves dedos que me vão pintando!
 Mario Quintana - A Rua dos Cataventos                                        DO ESTILO O estilo é uma dificuldade de expressão. Mario Quintana (Caderno H)   OBSESSÃO DO MAR OCEANO  Vou andando feliz pelas ruas sem nome...Que vento bom sopra do Mar Oceano!
 Meu amor eu nem sei como se chama,
 Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
 Mas há vasos cobertos de conchinhas
 Sobre as mesas... e moças na janelas
 Com brincos e pulseiras de coral...
 Búzios calçando portas... caravelas
 Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
 Nisto,
 Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
 E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
 De su'alma perdida e vaga na neblina...
 Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
 Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
 Uma caixa de música
 Uma bússola
 Um mapa figurado
 Uns poemas cheios de beleza única
 De estarem inconclusos...
 Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
 E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
 Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
 Quando eu também já não tiver mais nome.
 Mario Quintana - O Aprendiz de Feiticeiro DA OBSERVAÇÃO  Não te irrites, por mais que te fizerem...Estuda, a frio, o coração alheio.
 Farás, assim, do mal que eles te querem,
 Teu mais amável e sutil recreio...
 Mario Quintana - Espelho Mágico  DOS MUNDOS  Deus criou este mundo. O homem, todavia,Entrou a desconfiar, cogitabundo...
 Decerto não gostou lá muito do que via...
 E foi logo inventando o outro mundo.
 Mario Quintana - Espelho Mágico  DA DISCRIÇÃO  Não te abras com teu amigoQue ele um outro amigo tem.
 E o amigo do teu amigo
 Possui amigos também...
 Mario Quintana - Espelho Mágico                      A VERDADEIRA ARTE DE VIAJAR  A gente sempre deve sair à rua como quem                      foge de casa,Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos                      do mundo.
 Não importa que os compromissos, as obrigações,                      estejam ali...
 Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração                      cantando!
 Mario Quintana - A verdadeira cor do invisível | 
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